sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Por causa de um gato


   
   A noite não é para todos. A noite é para os bêbados, os traficantes, os viciados. E os pedófilos. Definitivamente, a noite não é lugar para uma menina de doze anos como ela era. Não uma menina de doze anos, sozinha e de bochechas rosadas. E qualquer um em sã consciência é capaz de saber disso. Claro, qualquer um em sã consciência que não tenha doze anos.

  
   - Uma menina tão pequena não deveria andar sozinha à noite – vê? Até um homem jovem e bonito, com um sorriso malicioso nos lábios pode saber disso. É uma coisa boa, mas para quem?
   Os olhos se ergueram e as bochechas rosadas deveriam corar ainda mais ao encarar o homem, mas não foi isso que aconteceu. Era uma criança tímida em certa medida, mas nem sempre; até por que suas variações de humor eram constantes. Nenhuma criança tinha um humor como o dela. Então, o olhar que se ergueu era simplesmente um misto de culpa e irritação, se é possível decifrar um olhar seu.
   O homem, ainda com seu sorriso malicioso, tirou uma das mãos de trás das costas e mostrou-lhe um gato morto. O abdômen aberto. Os grandes olhos cintilantes encarando secamente as estrelas que tentavam brilhar sobre eles. A garota não gritou, não correu e nem chorou. Só olhou para os próprios pés. Culpa. Culpa por ter se deixado irritar tão facilmente pelo gato da vizinha; culpa por tê-lo perseguido até aquela mesma ruela onde eles estavam com uma faca de cozinha; culpa por ter se aproximado do bichano assustado e desferir-lhe um golpe na barriga. Culpa por simplesmente tê-lo jogado no lixo.
  - Uma menina tão pequena não deveria matar gatos numa ruela – disse o homem.
  - Vai contar para a mamãe? – a voz era tão ingênua, tão... pequena, que não se esperava a fúria com que a garotinha golpeou o gato alguns minutos antes.
   Uma gota de sangue pingou no seu sapato lindamente polido enquanto o homem ria baixinho.
   - Acho que não é necessário. Onde você mora?
   - Uma rua abaixo do mercado – ela apontou, mas não via o mercado. Quanto tinha andado? Lembrava-se que, quando saiu de casa, o sol mal havia se posto.
   - Humm, parece bem longe – o homem para onde a menina tinha apontado – Você deve ter andado um bocado. E deve estar com fome. Quer vir comigo? Eu tenho um restaurante aqui perto.
   A garotinha mal assentiu com a cabeça e o homem já lhe tinha agarrado a manga do vestido, puxando-a para longe da ruela, onde dois velhos bêbados começavam a cantar “I Want To Hold Your Hand”. Ela demoraria uns anos para ouvir outra demonstração de amor aos Beatles tão ruim quanto estava aquela.
   O restaurante não era bem um restaurante. Era um cubículo com mesas e cadeiras, mais um caixa perto da porta. Mas era confortável. E o homem – Paul - deu a menina tudo o que ela mais gostava: bife e batatas, lasanha, sorvete. Até ela não conseguir mais comer e simplesmente ficar olhando para o prato quase vazio à sua frente. E sentindo a mão de Paul subindo e descendo por suas costas. Ela não gostava, estava incomodada na verdade, mas ficou constrangida de pedir que parasse. Mais uma oscilação de humor.
   O homem beijou sua têmpora esquerda e sussurrou-lhe ao ouvido:
   - Você é tão bonita que nem dá vontade de devolver você para seus pais.
   - Eu não tenho pais – ela disse sem pensar.
   Mas ele não estava mais ouvindo. Suas mãos já tinham agarrado sua cintura fina e seus lábios estavam ocupados demais beijando seu pescoço para que pudesse responder. Ela tentou se desvencilhar, mas isso só fez com que o aperto ficasse mais forte. Então, a pequena menininha, que hora antes tinha aberto a barriga de um gato menor ainda, conheceu o desespero. Tinha cheiro de sangue e perfume masculino.
   O cheiro de sangue vinha diretamente de entre suas pernas. Paul ficou por um tempo acariciando aquela região enquanto ela se debatia, antes de decidir que uma menina tão pequena não deveria continuar virgem. Não nas mãos dele. Ela soltou um gritinho abafado pela camisa pólo, e ele continuou trabalhando com os dedos ali. “Pára, por favor”.
   Ora, não julgue o Paul. No começo ele até tentara se controlar, mas as garotinhas apareciam como que por mágica em sua frente e uma voz começava a gritar dentro dele. Então ele simplesmente aceitou que gostava daquilo, e que não poderia parar. Todos temos um lado psicopata; alguns o aceitam, outros não.
   Lágrimas já haviam brotado a muito dos pequenos olhos verdes, mas nada do desespero ir embora. Pelo contrário: ele trouxera consigo o medo. O medo da morte e de alguma forma o medo de que ela nunca mais fosse ficar limpa de novo. Ela sentiu alguma coisa quente e rija invadir o espaço entre as pernas e tentou gritar, mas se esqueceu da mão que a impedia de pedir ajuda. Antes que o membro todo de Paul estivesse dentro dela, os pequenos olhos se fecharam aos poucos e ela desmaiou. Não se sabe se de dor ou desespero.
   E, naquele momento, ela podia estar desmaiada. Mas, ao mesmo tempo, alguma coisa despertou dentro dela. Uma coisa que sempre estivera ali; e, Paul, mesmo sem querer, acordou o monstro.

   Obs: Texto de minha autoria; caso vá publicar, peço os devidos créditos a mim e ao blog :)

2 comentários:

  1. Ao iniciar a leitura imaginei que tomaria esse rumo, mas em determinado momento mudei de opinião. Agora, pensando melhor, talvez você fez o certo ao dar esse final a história. O mais bacana é a forma como você escreve, que dá uma "realidade" muito grande - isso ficou ainda mais evidente nesse final. Vou procurar pra ler mais coisa.
    Parabéns e sucesso!!

    Beijos
    Ricardo - www.blogovershock.com.br

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  2. Nossa, achei super envolvente e tal, mas muito chocante, rs.
    Fiquei apavorada em certos momentos e com pena da pequena garota de bochechas rosadas.
    Parabéns pela escrita maravilhosa, abraços!

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