domingo, 20 de julho de 2014

[Resenha] Um Estranho no Ninho

Título original: One flew over the cuckoo’s nest
Autor: Ken Kesey
Nota: 4,5/5
Sinopse: O livro relata a história de McMurphy, que é preso e, para fugir dos trabalhos da prisão, resolve fingir-se de louco. Enviado ao manicômio, McMurphy começa a viver uma triste e difícil realidade.

  













   O chefe Bromdem um dia já foi um grande índio, fazendo suas próprias escolhas e não acatando qualquer coisa que lhe ordenassem. Isso, porém, aconteceu há muito tempo. Agora Bromdem reside em uma instituição para doentes mentais desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Mais tempo que a maioria dos outros pacientes. O Chefe se finge de surdo e assim pode acompanhar todos os eventos do manicômio sem ser alvo de qualquer suspeita. Ao longo dos anos, já viu e ouviu muitas coisas erradas que podem ser feitas sob o domínio da impiedosa enfermeira-chefe, a Srta. Ratched.
   A enfermeira trabalha há mais tempo na instituição do que qualquer funcionário ou médico. Ratched é quem mantém curtas as rédeas do manicômio; ela controla quem sai e quem fica, quem é bom e quem é mau. Para manter seu controle ela reprime fortemente todos os pacientes de sua ala (divida entre Crônicos e Agudos), ao mesmo tempo que se faz de boazinha e deixa claro todas as coisas que ela pode fazer para puni-los. É sua personalidade que mantém todos os pacientes inquietos e medrosos, vivendo suas rotinas de acordo com sua ditadura.
“(...) Trabalhando em conjunto com outros iguais a ela, a quem eu chamo de a Liga, que é uma enorme organização que tem como objetivo ajustar o Lado de Fora tão bem como ela ajustou o de Dentro, ela se tornou uma verdadeira perita em ajustar as coisas”
   Todos acompanham uma mudança quando chega ao hospital o Sr. Randall Patrick McMurphy.
   McMurphy foi preso há pouco tempo, pegando seis meses de detenção. Malandro e preguiçoso, ele se finge de louco para fugir dos trabalhos na penitenciária e ir viver a boa vida no hospital psiquiátrico. Quando encontra um local onde todos os pacientes têm seus movimentos controlados, governado pela megera da enfermeira-chefe, McMurphy se rebela e tenta impor suas próprias vontades e as dos outros pacientes. Com o objetivo de mudar todo o sistema que controla o hospital, ele confronta a Srta. Ratched de todas as maneiras possíveis e torna-se um tipo de herói e modelo para os outros pacientes.
   O que começa como um jogo de cão e gato entre os dois peculiares indivíduos, logo transforma-se numa guerra impiedosa, onde cada um vai usar de todos os seus recursos para impor suas ideias e seu estilo de vida: Ratched com sua sutileza e inquestionável autoridade, e McMurphy contando apenas com seu carisma e força de vontade.
   “Um Estranho no Ninho” foi um tipo marco na literatura americana. Ele veio com sua clara crítica ao sistema dominante. Reduzindo a sociedade americana da época a um hospital psiquiátrico, deu-lhe as mesmas características, mesmos problemas e os mesmos rebeldes. Foram autores como ele que marcaram o estilo americano setentista (tanto no cinema como na literatura), com suas críticas ao governo e gritos por mudanças. O título original (um voo sobre o ninho do cuco) foi inspirado por uma cantiga popular americana. Como o cuco é um ladrão de ninhos, o nome sugere algo invasivo ao mesmo tempo que tenta expulsar algo e colocar uma coisa “sua” no lugar. No caso da história, McMurphy adquire o papel de cuco e tenta impor suas ideologias sobre o temperamento da enfermeira-chefe. Pelo menos essa é minha interpretação.
   Bromdem é quase um narrador onisciente. Ele nos dá todas as informações sobre o hospital e o restante dos pacientes e funcionários, mesmo aquelas que não são vistas a olho nu, nos dando palpites sobre seus pensamentos e emoções. Apesar de McMurphy ser o centro das atenções, Bromdem também se mostra de extrema importância por ser o exato oposto de seu amigo. Um dia ele já foi um homem como McMurphy e é por isso que ele lhe causa tanta curiosidade e admiração. Porém, enquanto McMurphy é independente, rebelde e luxurioso, o Chefe é covarde e confuso sobre seus próprios pensamentos.
“Esse mundo... pertence aos fortes, meu amigo! (...) O ritual da nossa existência está baseado em os fortes ficarem mais fortes por derrotarem os mais fracos. Nós temos de encarar isso. É mais do que certo que seja assim. (...) O coelho torna-se esperto, assustado, arredio e cava buracos e se esconde quando o lobo está por perto. E ele resiste, vai continuando. Conhece seu lugar. É absolutamente certo que ele não irá desafiar o lobo para um combate. Ora, diga-me, isto seria inteligente?”
   Durante a narrativa, temos momentos em que o Chefe relata acontecimentos encobertos sobre “a neblina”, efeito claramente causado pelo coquetel de medicamentos que os pacientes são obrigados a suportar todos os dias. Segundo Bromdem, a neblina seria usada pela Liga para confundir os povos e fazer com que suas ações parecessem corretas aos olhos de todos, enquanto que na verdade eram exploratórias e autoritárias.
   A Liga seria aqueles que têm o controle sobre nossa sociedade. São eles que nos manipulam para que nos tornemos exemplos daquilo que eles consideram correto. São eles que fazem casas iguais, empregos iguais, escolas iguais. E pessoas iguais. Assim, qualquer um que não se encaixe nos padrões da Liga é considerado criminoso ou louco e acaba encarcerado para que não atrapalhe nenhum plano ou que cause uma revolta envolvendo todas as outras pessoas. A Liga nos quer como bois seguindo a boiada tranquila e confusamente, e tem membros que ajudam a garantir que isso aconteça, como a enfermeira Ratched. Mas também não conseguem controlar todos os seus “anti-heróis”, como McMurphy, que por vezes acabam escapando e fazendo valer as suas vontades. E servindo de exemplo para outros desajustados.
   Com o tempo, Bromdem e McMurphy tornam-se amigos, cada um com seu próprio interesse. McMurphy promete fazer com que o Chefe volte a ser o grande homem que foi um dia, ao mesmo tempo que vê uma oportunidade de escapar do hospital, uma vez que seus confrontos com a enfermeira-chefe o deixou completamente à sua mercê e ele se vê preso no manicômio.
“Cara, se você perde sua risada você perde o seu ponto de apoio. Se um homem vai e deixa uma mulher derrubá-lo até o ponto em que ele não consegue mais rir, então ele perde uma das maiores defesas que tem do seu lado.”
   Assim como “Ilha do Medo”, a história de Kesey também nos faz um retrato dos hospitais psiquiátricos nas décadas de 60-70, que prometiam mudanças para garantir o conforto dos pacientes, mas continuavam com os mesmos métodos abusivos por trás das cortinas: os remédios que causavam confusão mental, terapia de choque, lobotomia cerebral, autoritarismo das enfermeiras. Ao mesmo tempo, cria uma imagem das pessoas com doenças mentais: como elas se relacionam, o que as leva a ser diferentes, como elas reagem a esses abusos.
   Além de Bromdem e McMurphy, acompanhamos a rotina e deslumbramento de outros personagens igualmente carismáticos, como Harding, Billy Bibbit e Cheswick. Ao mesmo tempo que questionam as ações de McMurphy para fazer de sua vivência algo justo, eles o veem como um herói e um maluco.
   Toda a narrativa trás certa angústia em si. O sentimento de revolta contra o sistema da enfermeira Ratched e a impressão de que tudo dará errado a qualquer momento. Até o final emocionante, triste, feliz e incerto ao mesmo tempo. Assim, ao longo de todos os acontecimentos, “Um Estranho no Ninho” nos faz questionar o conceito de liberdade e como ele é colocado em prática. Afinal, a liberdade é uma coisa real ou apenas um conceito abstrato feito por nós mesmos? Podemos ser livres em qualquer lugar e situação? E, mas importante, McMurphy e Bromdem nos ensinam a importância de sermos nós mesmos e impormos nossas ideias, não importando qual tipo de sistema isso questione.
“Eles não admitem alguém, grande  como papai andando por aí, a menos que seja um deles. Você compreende?”

O FILME:
   Em 1976, foi lançado o filme “Um Estranho no Ninho”, baseado no romance de Ken Kesey. O filme é estrelado por Jack Nicholson no papel de McMurphy e Louise Fletcher como a Srta. Ratched; a produção ainda foi o cartão de entrada para Brad Dourif no cinema, no papel de Billy Bibbit. Ao longo de sua carreira, Dourif foi responsável por outros papéis icônicos no cinema, como a voz do boneco assassino Chucky.
















   O filme foi indicado a diversos prêmios e ganhou cinco estatuetas dentre as sete principais categorias do Academy Awards (Oscar): melhor filme, melhor ator, melhor atriz, melhor diretor e melhor roteiro adaptado.
   Tende a ser bem fiel à história do livro, mas um pouco romantizado. McMurphy é mostrado como um herói completo, enquanto no livro ele é mais humano, que leva em conta seus próprios interesses. Isoladamente, é um ótimo filme, com excelentes atuações e merece ser acompanhado.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Li, há pouco tempo, o livro de Kesey. Realmente, é um livro que nos faz pensar sobre a realidade dos hospitais psiquiátricos durante as décadas de 60 e 70, sobre o que era considerado loucura, como esta era tratada e a forma que os pacientes reagiam ao tratamento. Nos questionamos: qual é a condição social dos loucos? Nos faz pensar a respeito de como se dá o controle social e o que é liberdade, se ela realmente existe. Podemos mesmo ser livres? Nos faz pensar acerca de termos ou não escolhas. Refletimos também sobre a homogenização do sociedade. Mas, o mais importante, o livro nos faz sentir tudo isso. O final é emocionante, mas muito triste. Gostei muito de sua análise crítica quanto à obra. Conseguiu enxugar, de forma exemplar, a mensagem que o livro nos passa!

    ResponderExcluir

Hey!, se você não comentar, como vou saber que passou por aqui? Deixe sua opinião e faça uma pessoa feliz ~voz campanha de solidariedade~