segunda-feira, 12 de agosto de 2013

[Rabiscos] O escritor

O Escritor



         Sobre a escrivaninha, a folha em branco encara; na cama, as linhas do caderno encaram; na mesa, a luz do computador encara. E o escritor encara de volta. José Saramago uma vez disse que “todos somos escritores, mas alguns escrevem e outros não”; ou foi algo com o mesmo sentido, se forem perdoadas as aspas. Ah!, Saramago. Quem dera ter sua genialidade, ou melhor, sua ingenuidade. Se todos são escritores, então o próprio do pobre escritor também não o é; queria ser, mas tudo o que faz é encarar a folha em branco, as linhas dos cadernos, a luz do computador, até seus olhos cansarem, até o café esfriar, até o cigarro apagar, até a frustração esgotar.
   Feliz aquele que não escreve. Sim, que não se enganem por todos os escritores que se libertam pelas palavras, ou que dizem se libertar. Ouçam esse pobre escritor, que nem vos diz diretamente; mas ouve, ou lê se não tiver nada melhor que fazer. Se tiver, vá, veja e viva; e morra sem esse pobre escritor, como morrem muitos sem muitos escritores.
   Feliz, então, aquele que não escreve. Antes de libertar, escrever mais te escraviza. Depende daquela madame, a Sra. Inspiração. Dona esquiva. Bate na sua porta se quiser e se quiser foge tão rápido quanto bateu. Aliás, tu sabes que já visitou Shakespeare e Assis; que já deslumbrou Noé e Almodóvar; que já inflou Guevara e Hitler. Por que, em mil anos, essa senhorita, senhora, senhorinha; por que essa beleza há de vir se preocupar com você?
   Pobre escritor. É escravo de seus sentimentos, seus pensamentos, seus medos, suas inseguranças; as palavras são sua carta de alforria. E tão inalcançáveis! Claro que aquela Dona Inspiração é escravocrata; tua liberdade está nas suas mãos invisíveis, nas suas rápidas batidas. E mesmo que liberte o escritor, é porque conhece suas vergonhas e as quer expor a quem quiser (ou a quem não tiver coisa melhor que fazer). Esse pobre escritor é seu próprio livro e fica sempre aberto, a risos e a lágrimas, a satisfações e a indiferenças.
   Mas a maior aflição do escritor vem daqui. Ele não é nenhum super-herói, é gente como a gente, é você e o Fulano. O escritor é viciado em café, em ciências humanas. O escritor tem insônia, e tem momentos de euforia. O escritor passa na calçada de cabeça baixa ou nariz empinado, e ninguém nota que é escritor. Não faz diferença, é só mais um número, são só algumas palavras a mais.
   E o escritor é deprimido. E o escritor pensa demais no seu passado. E o escritor imagina demais o seu futuro. O escritor ama demais e odeia em demasia. E o escritor é controverso.
   - Vem comer, meu escritor! – vem da sala a voz feminina, e o escritor já poetiza, complica o mundo, vomita seus amores, até que a Dona foge.
   Então não ouça esse escritor. Escreva se quiser. Escraviza, mas liberta na maioria das vezes e a Dona Inspiração demora tanto a aparecer que quando aparece traz consigo a felicidade de escritor, e se a Inspiração vai embora, essa felicidade fica um pouco contigo. Escreva, se quiser. Seus sentimentos podem tocar alguém; seus pensamentos podem encontrar alguém; seus medos podem curar alguém; e suas inseguranças podem encorajar alguém; porque escrever é socializar sem sair da frente da folha, não mais em branco, sem deixar de olhar as linhas agora com as letras cursivas, sem deixar de se fascinar com as cores dos caracteres no computador.
   Não ouça esse escritor, porque esse escritor não é o único. Esse é único, mas há outros, tantos que se pode escolher. Afinal, Saramago talvez tenha razão. Afinal, você também talvez escreva, não? Afinal, as cabeças baixas e os narizes empinados deixem de o ser quando encaram uma folha de papel, uma linha de caderno, uma luz de computador.
   Mas o escritor deixa de escrever antes que José deixe de ter razão, e escrever seja só escravizar e não libertar. Porque o escritor vai comer seu pão com ovo, com uma Fulana que trouxe pra casa, sendo mais gente como a gente e menos escritor. Porque o escritor não sai daqui sem dizer que o escritor é super-herói, não sai sem colocar na boca de um Zé ou de uma Maria:
   - Escrever é mais do que ser apenas humano, querido. Escrever é ser um deus apaixonado; e um deus capaz de apaixonar.

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